24 de abril de 2016

Vela

O céu estava estrelado naquela noite, não havia indícios de chuva. Jorge havia ido acompanhar seu amigo até aquele lugar por saber que se tratava de algo mais complexo do que se imaginava. Os dois saíram do metrô por volta das 20h. Jorge carregava sua mochila nas costas e um olhar de curiosidade e receio. 

Eles passaram por fora de um belo edifício no centro da cidade, bem iluminado e bem frequentado. Logo ali ao lado havia uma área verde perdida no meio da cidade rodeada de pistas e viadutos onde os motoristas passavam todos os dias, mas dificilmente alguém reparava.

Os dois desciam por um estrada de terra entre a mata quase virgem e o orvalho caia sob suas cabeças. O silêncio era pleno, embora tudo aquilo estivesse rodeado de cidade. 
Mais abaixo Jorge conseguiu avistar um casebre de madeira pintada de branco e uma tímida varanda.

Foram recebidos por um rapaz jovem, bem magro, alto, de pele parda e sorriso fácil. Sem se identificar ele os tratou como esperados convidados e os convidou a entrar.

Chegando na sala, havia um sofá velho e algumas cadeiras ocupadas por vários garotos, com aquele mesmo olhar de apreensão. Pareciam estar esperando alguma coisa. 
Seu amigo deu a volta por trás da casa e sumiu.

Jorge continuou ali, conversou um pouco com os rapazes, todos jovens, não passavam de vinte e poucos anos. Em seguido chegou uma mulher de meia idade que não aparentava se preocupar muito com a vaidade. De cabelos loiros e encaracolados como de um anjo, ela usava roupas velhas e chinelo. Ao cumprimentar Jorge disse que ele seria recebido como convidado aquela noite e que alguém gostaria de conversar com ele.

Algum tempo passou e mandaram chamá-lo: ele foi levado até uma sala completamente sombria, iluminada apenas com algumas velas e poucos móveis. Ao fundo havia uma senhora, aquela mesma que o encontrara mais cedo, mas ela estava diferente. Não obstante a pouca idade, falava como um velho senhor.

- Boa noite, meu filho.
- Boa noite. 
- Qual é o seu problema?
- Não sei. Alguns.
- Seja mais específico, para que eu possa te ajudar.
- Na verdade, ultimamente tenho estado no epicentro de algumas situações estranhas.
- Por exemplo?
- Confusões, perseguições... Sinto que atraio essas coisas.
- Hm. Fale mais a respeito...
- Eu não crio problemas com ninguém, mas estou sempre envolvido em alguma coisa.
- Quer dizer que as pessoas chegam até você através de problemas?
- Isso. Ninguém me procura pra saber se estou vivo, mas sou a primeira opção quando necessitam. Por vezes, pessoas nem tão próximas assim. 
- Meu filho, você é vela. Sabe o que isso significa?
- Não.

Então a mulher apontou para uma vela que havia perto dos dois, colocou a palma da mão em cima da chama por longos segundos e disse:

- Coloque sua mão perto do fogo até não aguentar mais.

Hesitando um pouco, o garoto colocou a mão e a sentiu arder, logo afastou. Então a mulher indagou:

- Sentiu?
- Sim. Minha mão quase queima.

- É. Dificilmente alguém brinca com a chama de uma vela. Ela é forte, atrai os olhares e as pessoas, principalmente as que necessitam de luz. Mas a chama é forte e não deixa que ninguém se aproxime tanto assim, pode queimar.

O garoto continuava sem entender a metáfora. A mulher continuou:

- Você é uma vela, rapaz. Você será uma das primeiras pessoas que irão procurar quando precisarem de ajuda. Você certamente ajudará e se apagará até a próxima vez que alguém precisar e enxergar a luz em você. Pessoas assim são responsáveis por colocar as coisas em ordem, por harmonizar os conflitos. Mas é preciso tomar um cuidado.
- Qual?
- Se não souber distribuir bem a luz, irá se esvair em si mesma. Como uma vela faz, até acabar.

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