- Como assim, cara? Você ousa dizer que estou cego com tanta
propriedade baseado no fato de que não vejo como você? Que legitimidade há
nisso? Indagou veementemente Luca.
Enquanto a noite ficava cada vez mais profunda, tudo que
aqueles homens tinham era a luz daquela velha lâmpada amarela ao lado da
escada.
Júlio já estava com a mente cansada de discutir e simultaneamente
sentia as avarias de seus contínuos excessos refletirem na maltrapilha
estrutura de seu corpo.
- Não sei dizer, mas me parece que seus objetivos são
deveras efêmeros. O fato é que não tenho me sentido bem há tempos, cambaleio
meu próprio corpo o tempo inteiro pra lá e pra cá procurando um rumo sem ao
menos cuidar de mim.
- Entendo o que você tem a dizer, apesar de não concordar
muitas das vezes. Mas também me sinto assim. Não tenho cuidado nem de mim,
imagina do resto do mundo?
Os dois sorriram e ficaram mais algum tempo em silêncio
enquanto ponderavam seus descabidos desabafos. Não era uma conversa atípica
entre os dois, não obstante não fosse um dia tão comum de acontecer, ambos não
esperavam mergulhar naquilo tão profundamente.
- Sabe, eu realmente estou cansado. Sinto meu corpo
desgastado. Bebo coisas que não matam minha sede, como coisas que não me
alimentam e trato com pessoas que não me acrescentam. Acho que preciso ficar
sozinho.
- Mas nessa realidade que vivemos isso é quase impossível.
Você sabe, né?
- Sei.
- E o que pensa em fazer a respeito? Largar tudo e correr de
volta para o campo, criar galinhas? Haha
- Largar o quê? Não tenho nada. Não temos nada. Você só pode
estar de brincadeira.
- Claro que estou. Isso é tudo que me desafoga. Imagina se
fosse para levar tudo isso tão a sério quanto você? Certeza que já estaria
doente.
- Como assim?
- Guardar as coisas consigo e ficar remoendo por meses,
anos, só faz mal. Será que você não
percebe que essa reclamação toda gera apenas energia negativa.
- Claro que percebo, mas não quero fazer nada a respeito.
Quero reclamar!
- O que pretende com isso?
- Me aliviar.
Tudo se tornou um mero deslize das palavras, indagações
foram dando o rumo dos pensamentos daqueles dois enquanto tentavam chegar a uma
conclusão decente. Mas não era possível, pois quanto mais pensavam a respeito
das coisas, mais eles se perdiam naqueles devaneios loucos.
- E agora, amigo, o que será de nós?
- Está perguntando isso para mim mesmo?
- Para ter ideia do nível de complexidade das coisas. Aliás,
pra quem mais eu perguntaria?
- Sei lá, talvez um oráculo.
- E receber uma bela resposta com todo o rumo do meu
destino? Até que seria uma boa. A menos que fosse daqueles oráculos que nos dizem
as coisas por meio de um enigma, se for assim não quero. Já me bastam o meu
próprio.
- Destino?
- Não. Meu próprio enigma.
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