22 de novembro de 2018

O homem que não se amava

Ele caminhava por aí sem rumo, vendo as pessoas passando enquanto iam e vinham sem se dar conta do passar do tempo. Ao passo que passeava, pari passo pensava, enquanto caminhava pela calçada das ruas da vida.

Ele se encantava, vez ou outra olhava de soslaio enquanto alguma coisa o chamava a atenção. Pensava que amava. Pensava que pensava, mas não saia quase sempre da mesma condição.

Ele continuava seguindo a trilha que encontrava pelo caminho, vez ou outra se perdia, mas voltava, se perdia de novo. Ele estava sempre sozinho. Em silêncio encontrou seus melhores entendimentos e aos poucos, com a calma que conquistou na mente, voltou a enxergar.

Ele caminhava por aí quando avistou algo nas pedras, se desvirtuou enquanto tentava chegar cada vez mais perto, sem sucesso. Não existia nada, mas foi o suficiente para ele perder completamente o senso.

Ele se perdeu no tempo, se perdeu de si mesmo e perdeu o prazer nas coisas que mais os encontrava. Tudo era só passatempo, distração, um pouco mais de irrelevâncias a se carregar. Porque no final das contas, quando se enxerga a essência, todo o resto não passa de frivolidades.

Ele lutou por poucas coisas na sua vida e todas elas foram no momento em que tinha que estar, viraram aprendizados, arrependimentos, marcas, dores, lamentos...

Na maioria das vezes ele deixava passar, já que não fazia nenhuma diferença. Ele deixava passar e logo se encontrava de novo em si mesmo. Mas um dia, se machucou feio.

Um dia caiu e demorou a levantar. Um dia perdeu toda a capacidade de analisar e de pensar, características que lhe eram tão caras. Vagou por aí como um qualquer. Fez o que jamais imaginou. Se viu travestido das coisas que sempre repudiou.

Ele se forçava a entender, porque não há paz para ele enquanto não entende o por quê. Ele foi e voltou, caiu, derrubou, caminhou. Ele quis chorar, gritou, pediu, implorou e depois percebeu o quão insano havia se tornado.

Ele já estava acostumado, calejado, anestesiado e mesmo sem reencontrar o prazer nas coisas que sempre gostou, seguia incólume, pois já conhecia tudo que viria por ai. Tudo igual. Mas por quê, ele insistia.

Ele ficou pensativo, triste, mas atento, até perceber, de uma vez por toda que o problema não era o tempo, não era o vento. O problema não era novo, tampouco. Não eram eles, não era ela. Não era nada além de si mesmo.

Ele, com o tempo e despretensão que carrega percebeu que ele era apenas um homem que não se amava.

18 de novembro de 2018

Longe

Se o passado falasse, não seria tão ríspido, mas, com toda certeza, deveras metido. Já sabia de tudo, devidamente instalado, vivido e planejado.

Se pudéssemos editar as passagens, quais escolhas - de novo - faríamos? Iriamos pelo mesmo caminho ou simplesmente viraríamos a esquina com uma desculpa qualquer... Ora, me desculpe, tive um imprevisto!

Não vou andar por essas ruas porque me causarão dor e um dia, não terá ninguém para me receber por aqui, quem diria.

E continuarei andando por aí, sem um porto seguro. Foi só uma passagem, um hotel de beira de estrada com chaves na porta, que me permitiu algumas noites de sono, com certo sossego. Foi só um café da manhã incluso que me permitiu viver dias sem passar fome. Mas meu lugar é o mar, navegando por aí sem saber quais serão as condições da maré ao acordar.

E não procure saber de mim, mesmo que já seja evidente que isso jamais aconteceu. Não procure saber onde estou, pois sequer eu sei dizer. Não sei quais são minhas escolhas, tampouco para onde estão me levando, mas espero que seja o mais longe possível.

Se o passado falasse e, principalmente, ouvisse, eu diria para ele ir embora daqui. Não quero ver o teu rosto para não lembrar de nada. Nesse meio tempo roubaram meu sorriso e eu fiquei satisfeito por isso.

Afinal, também há paz na comodidade. Por pior que ela seja, carrega estabilidade. E agora estou caminhando por aí, vendo vários rostos, vários corpos, vários egos, vários prazeres, vários vícios e pensando no que posso fazer para ir cada vez mais longe daqui.

E não procure pensar em mim, por mais que eu sabia que isso não vai acontecer. Que não saiba onde estou, enquanto engulo todas as lágrimas que minha alma pensa em derramar, mas eu não deixo. Para todos os efeitos, se por algum milagre me perguntarem por onde andei, direi: O mais longe possível daqui.

Mas que diferença faz, não é mesmo? Já que tudo que vivi não sai da minha cabeça porque eu tenho apego, apego de pai, apego de autor, apego de criador, já que não passaram de histórias e circunstâncias criadas na minha cabeça doente.

E não procure saber de mim, pois estou cada vez mais longe. E não procure saber o que faço, mesmo que eu saiba que isso jamais aconteceria. Mas, que diferença faz, não é mesmo? Já que ninguém saberá o que agora sim, insisto em não ser mais.

13 de novembro de 2018

Ferido

Estou dilacerado, mais uma vez. As palavras saem como lágrimas dos meus dedos. Minhas mãos tremem e isso tudo é tão tóxico que sinto vontade de vomitar.

Tentar entender é um erro, porque cavar mais profundamente um lugar que não se conhece pode acabar mal. Sempre acaba mal. É melhor, na verdade, evitar.

Ouço o que minha cabeça diz, o que meu coração grita, o que minha alma sussurra e não faço absolutamente ideia de qual caminho seguir, não consigo clareza no olhar.

Todos os dias são iguais, com dores no peito, com nó na garganta e só passa por uma questão de minutos e quando tudo está indo muito bem, por algumas horas, e até agora não sou capaz de explicar.

O mundo me levanta até eu sentir vertigem da altura e me arremessa contra o chão com a maior força que possa existir. Fui atropelado pelo destino enquanto corria tentando alcançar até onde não consegui chegar.

Me embrigado, me envergonho. Perco o controle. Vou parar aonde não sou bem vindo. Vou falar coisas pelas quais não sou mais ouvido. Tudo é deveras intenso e real, em que pese nada faça sentido.

Continuo a caminhada pelo deserto onde só vejo areia. O vento levou todos os rastros de pegadas e me apego, então, às miragens que minha mente cria para me manter vivo. Eu busco todos os dias por um abrigo, mas estou à deriva.

Meu peito parece pequeno para carregar tanta frustração, tanta tristeza e tanta rejeição. E eu continuo com sede, sabe-se lá por quê. E mesmo sem fome, suplico por migalhas.

Estou dilacerado, mais uma vez. As palavras saem como lágrimas dos meus dedos. Minhas mãos tremem e isso tudo é tão tóxico que sinto vontade de vomitar.

Quem sabe um dia meus olhos marejados chorem tudo de uma vez o que tem de chorar e aí, no outro dia eu acorde renovado. Mas por enquanto tudo que eu busco são migalhas para matar a fome que eu não tenho mais.