21 de outubro de 2019

Ela se entregou

Ela se entregou, de corpo e alma. Ela foi toda dele. Ela achava que era mais do que poderia. Ela se entregou.

Ela se irritou por achar que não tinha mais controle sobre si mesma. Ela pulou sem pára-quedas e não acho que encontraria o chão, mesmo assim, ela se entregou.

Ela perdeu a compostura e a razão. Ela foi tudo que imaginou que nunca seria, mas foi em vão. Ela se entregou de corpo e alma, mas não soube explicar. Ela chorou.

Ela se entregou como nunca antes e como nunca mais. Ela não tem outra saída a não ser fingir ter paz. Para o mundo tudo está em ordem, ninguém sabe e ninguém mais saberá que ela chorou.

Ela faz questão de ser a mais forte que parece, mesmo que seu coração, moído por dentro, doa a cada pulsar. Mesmo que os seus sonhos sejam toda noite em um lugar que ela não queria estar. Ninguém jamais desconfiará, que teu corpo está de pé, mas sua alma de joelhos porque, um dia, ela se entregou.

Ela se arrepende por cada gota de amor que ainda sente na boca, que desse pela garganta. Ela não faria tudo de novo não, porque ela fez, ela se entregou e no fim, chorou.

Ela esconde suas trevas por trás de uma aparência que lhe dói as mãos de tanto sustentar. Tua vontade é de gritar, é de correr, fugir, mas ela não tem para onde ir, pois a dor permanece dentro dela. Ela lembra todos os dias, que se entregou e essa dor lhe faz lembrar, que os seus pés descansos jamais descansarão em outro lugar.

Ela tem perfeita convicção de que jamais se entregará, até se entregar.

7 de outubro de 2019

Só mais um trago

Eu quero te fumar e jogar as tuas cinzas no chão. Quero lhe tragar e ao mesmo tempo que marco meus pulmões com partes de você, te dissipar como fumaça.

Eu quero sentir o cheiro da fumaça de ti até que ela desapareça. Até que o vento leve. Até que reste só o resto e este fique no chão, sem servir para mais nada.

Eu quero tragar a saudade com a força que faça com que meu corpo estremeça e a cabeça gire, até nunca mais.

E enquanto eu tento me livrar do vício de fumar o que sobrou de você procurarei outra coisa para me viciar...

E quando eu não puder mais tragar a tua fumaça e quando eu não puder mais me acalmar com a tua substância tóxica dentro de mim, até a fumaça terá ido embora.

Eu terei ido embora. Mas vez ou outra, em um dia estranho, tragarei mais um pouco de ti para preencher o vazio que carrego no peito com a fumaça de quem já não existe mais.

E nesse dia, como sempre, marcarei meus pulmões com o resto das dores que ainda lembro e o resto partirá como parte a fumaça que o vento leva.

2 de outubro de 2019

Despertar

A vida é sutil, mas incisiva e justa. Não há uma folha caída sem razão, pois tudo teve uma causa. O efeito não é resultado do acaso jogado a esmo vindo do céu. O efeito é consequência de atitudes, circunstâncias, condutas e do nosso próprio fel.

A gente cai e por vezes se defende sentando no lugar que as vítimas ocupam, clamando pela piedade de desconhecidos, se escondendo por detrás das vestes de um coitado para que não sejamos julgados, como um réu.

Mas não adianta insistir. Não adianta desistir. A vida passará como uma onda e quem não estiver preparado irá se afogar. O tempo continua seu curso, sem parar. O curso continua seu caminho, sem parar. Sem parar é como a vida não para de caminhar.

Nos apegamos fácil ao que nos faz sentir melhor, o que nos tira a impressão das mazelas que carregamos. Porque lidar com isso dói. Porque acordar arde os olhos, embrulha o estômago. Porque perceber, de fato, a realidade, nos torna duros demais e responsáveis, conscientes, sem desculpas para dar.

Mas nós queremos a desculpa da ignorância. É mais fácil dizer que não sabia, que não teria como prever. Que não nos contaram. Que não nos ensinaram a viver. Por vezes, ela, a vida, arranca de nós nossos brinquedos para que percebamos que não precisamos mais brincar.

Me diz, aonde isso tudo vai parar? Aonde você quiser chegar. Vivemos em intensos loops e nos apegamos à coisas e pessoas para suprir o vazio que carregamos todos os dias. Para não lembrar que nos falta algo. Para nos lembrar de que alguém foi embora e não se importou. Para nos lembrar que você decidiu ir embora e ninguém notou. O que é que há?

A vida ensina de maneira suave, sutil. A vida mostra o caminho, mas a gente não enxerga e quando finalmente vê, fecha os olhos. A vida te dá uma porrada para você largar de ser tão irredutível, a vida te tira coisas, te leva para o desconforto para você levantar e sair.

Mas não adianta, né? A gente continua pisando na lama, com os pés descalços. A gente continua seguindo o mesmo caminho, mesmo sabendo que a rua é sem saída. A gente machuca as mãos de tanto segurar o que já deveria ter ido. A gente insiste em ser o que não é e a vida, calmamente, nos derruba, de cara no chão. Diz: Quero ver você sair daqui!

Por vezes, no chão, sem força, chorando, a vida arranca os nossos brinquedos para que percebamos que não precisamos mais brincar com eles e para que, finalmente, entendamos que deitar na cama das vítimas é só mais um jeito de se atrasar.

Na maioria das vezes, o que dói é o que a vida tira de nós para que entendamos de uma vez por todas que não precisamos mais daquilo, mas é isso né, não adianta avisar.