29 de janeiro de 2019

Escrita de sangue

Mais um dia, que cai a noite. Escrevo sem parar na tentativa vã de acompanhar os meus pensamentos. Escrevo e com a caneta eu marco o papel, assim como a vida marca minh'alma e minhas palavras sangram. 

São milhões de ideias, de pensamentos, de devaneios. Vou colocar tudo para fora tentando solidificar o sentido dessa loucura na minha mente.

Escrevo toda sorte de coisas tentando criar uma trilha capaz de me indicar a direção e então seguirei nela com os olhos vendados pela noite fria e silenciosa. Sozinho, minhas mãos sangram e o vermelho desse sangue se confunde com a luz da vela que clareia o papel.

Não há santo, não há anjos, não há espíritos, estou só. Estou sozinho tentando me fazer entender para mim mesmo, afinal sobre o que estamos escrevendo. Até onde quero chegar. Que papel quero interpretar?

Acordo cada vez mais cedo, deito cada vez mais tarde, durmo cada vez menos e a realidade já se confunde com um sonho, enquanto tudo passa em câmera lenta eu discuto com a morte.

Mais um dia que caio na noite e vejo todas as almas passando perdidas por ai. Acendo meu cigarro e faço o que aprendi nas poesias: Mato o tempo para ele não me matar. Mais uma dose, é claro que eu tô afim, amanhã é dia útil, mas eu sou inútil, quem liga?

Larguei meu carro na rua e estou indo embora a pé. Nesse madrugada sou a única pessoa caminhando por ai longe de casa e longe de cada, de cada um que esteve comigo. Não vejo mais ninguém por aqui. Não enxergo mais nada. Não sou ninguém. Eu já não era nada.

A fumaça esconde o rosto já sem expressão, pois tanto faz sorrir ou chorar, tanto faz seguir ou parar... Paro, puxo minha caneta e meu papel e tremendo de frio escrevo sem parar, até me machucar, até me lembrar do que não devo. Escrevo até não caber mais nada no papel ou em mim.

E minhas palavras se transformam em sangue esparramado pelas folhas amassadas. Eu sou as palavras, mas não posso ser lido. Sou completamente livre, mas preso em meus devaneios, pois posso fazer qualquer coisa enquanto não consigo sair daqui. 

Mais um dia, que cai a noite. Escrevo sem parar na tentativa vã de acompanhar os meus pensamentos. Escrevo e com a caneta eu marco o papel, assim como a vida marca minh'alma e minhas palavras sangram. Mais um caderno que acaba, mais um pensamento que me consome, mais uma palavra que sangra... e sangra... e sangra... e discuto com a morte.

27 de janeiro de 2019

Tragédia anunciada

Mariana, três anos na lama
Não se aprendeu nada
Tudo de novo outra vez
A economia que custa vidas
Custa caro
Mais uma vez
Brumadinho
Cheio de rejeitos, de restos
Estourou
Carregou consigo as casas, as famílias,
as pessoas
Quanto custa desenvolver-se e lucrar?
Quantas vidas custam e que valem trocar?
A lama veio e arrastou tudo
Levou a vida, prendeu os animais vivos
Assistimos a morte passiva das vacas, dos macacos, dos cachorros
Tudo aconteceu mais uma vez
Outra vez
De novo
E são tantos desaparecidos, tantos mortos, tantos outros
Mas que não esqueçamos que essas vítimas não são apenas números
São vidas, têm rosto
São filhos órfãos
Pais perdendo filhos
Marido perdendo o amor da vida
Esposa perdendo o amigo
São vidas, cada uma com uma historia,
Uma trajetória que agora não passam de um
Mar de lama
Arrastados
Na mesquinhez da ganância do ser humano
Quantas vidas custa tanto lucro?

RIP

26 de janeiro de 2019

O que não é mais

Difícil é ver um pedaço de si perdido no mundo, sem saber o que fazer.

Se misturando noite após noite entre os demônios que o cercam, sem sequer perceber.

Ver a pureza de um amor misturado a uma boca qualquer se esvaindo em um copo cheio.

Todos os valores reduzidos a nada, entre os gostos que mudaram em um passe de mágica.

Agora cada manhã em uma casa, em outra cama, com sabor de derrota sem roupa ou critério.

Difícil é ver que por muito pouco a luz se apagou e tudo se limita a um objeto, como qualquer outro, sem essência.

Enquanto isso a parte solta sem raiz voa sem piloto, seguindo onde o vento levar, sem ter aonde chegar.

Não se pode reconhecer absolutamente nada. Não é mais o mesmo olhar. Não se parece com nada, mas a alma insiste em enxergar.

No final das contas o pensamento não encontra sentido no que os olhos vêem ou no que o coração sente, porque para quem está perdido qualquer sorriso é norte.

23 de janeiro de 2019

Verdadeira paz

Enquanto deito minha cabeça em teu colo, o mundo parou. Enquanto a rede balança e o silêncio de uma noite comum no meio da semana reina sobre tudo.

Eu trocaria os eternos dias por essa hora, em paz. Toda aquela energia envolve nossos corpos, sem que se fale absolutamente nada e a profundidade da sua respiração dá o tom.

Daqui consigo ouvir tua respiração enquanto meu corpo navega no ritmo da tua respiração. Eu sinto teu perfume, percebo tua alma e não há mais nada que importe.

Eu trocaria todos os jogos de futebol, todos os encontros com os amigos, todas obrigações, todo o dinheiro, todas as mulheres do mundo, todos os luxos e poder por uma hora dessas, em paz.

Nesse lugar aprendi o significado de porto seguro e pela primeira vez na vida, entendi o que as pessoas falam sobre futuro. É quando é possível sentir como se já estivesse lá e, afinal, precisa de tão pouco.

Eu não vou a lugar algum, pois já troquei tudo. Troquei tudo pelo seu abraço, pelo seu cheiro, pelo seu tocar e o calor da tua boca. Eu não vou a lugar algum porque aqui é o meu lugar.

Daqui eu consigo sentir o descanso da minha própria alma, enquanto abaixo a guarda. Não há medo, não há frustração, não há interesse. Só amor.

Os rancores perdem o sentido, a vaidade foi dormir. As mágoas não fazem a menor diferença e só há paz. Só a paz interessa.

Ah, respiro fundo olhando a lua enquanto penso nesses poucos segundos que parecem uma eternidade, que eu trocaria eternidade por essa noite...

Me tiraram um pedaço da alma e respirar ficou difícil, principalmente sem a paz da quietude daquela hora, mas eu fui embora.

Daqui consigo sentir...

21 de janeiro de 2019

Pressa


Me ensine a não ter pressa em querer que tudo chegue em breve, mesmo sem ver o tempo passar. A gente anseio tanto que aconteça, tanto que chegue, tanto que seja, que acaba nem percebendo as horas se esvaírem.

E dizem para tomarmos cuidado com os nossos desejos porque eles podem se realizar; de tanto querer apressar, o tempo voa e voa para chegar e rasante ele passa sem se permitir enxergar.

No final das contas, a mesma velocidade que chega, que se conquista, que se agarra, é a mesma que se vai. Vem fácil, vai fácil. Vem rápido, já foi. Ninguém viu. Ninguém sentiu. Quem se omitiu?

Me ensine a não ter tanta pressa e saber esperar sentindo cada troca de segundo do ponteiro, sem agonia. Que a dor da espera não me encontre, pois estarei ocupado percebendo a ação do tempo em mim mesmo.

Enquanto ele passa eu mudo. Enquanto ele muda, eu passo junto. Enquanto me transformo em outro, o rio passa. Enquanto mergulho a água já é outra. Tudo muda. O tempo vai e não volta. Eu vou, mas volto.

Quantas vezes não nos pegamos errando de novo, do mesmo jeito, anos depois? Quantas vezes acreditamos piamente que mudamos, que não erraremos mais e então, no final, nos vemos em meio ao mesmo dilema?

O tempo é rei, de verdade. Ele mostra que a gente não tem o controle de nada. O tempo passa e mostra, quando finalmente conseguimos enxergar, que a mudança parte de dentro, independentemente do tempo.

Uns levam mais. Uns levam menos. Uns não mudam nunca. Outros sequer reconhecemos. E ficar parado também é uma escolha, por isso não precisa agonizar-se com a demora ou o voo do tempo, faça o que tiver que ser feito, do seu jeito, pois o tempo...  Ah, ele passará de qualquer maneira.

De qualquer maneira ele se esvairá e no final não fará diferença se foram 10 ou 50 anos, mas sim se valeu a pena passar por ele. No final das contas, o que importa é o caminho e todas as coisas que conseguimos extrair disso.

Enquanto ele passa eu mudo. Enquanto ele muda, eu passo junto. Enquanto me transformo em outro, o rio passa. Enquanto mergulho a água já é outra. Tudo muda. O tempo vai e não volta. Eu vou, mas, por vezes – e quantas vezes! eu volto.

19 de janeiro de 2019

De pai para filho

Meu filho, quando você chegar as coisas mudarão. Mudarão para adequar as energias em volta do seu ser.

Quando você chegar, meu filho, você vai ver, que vou te levar, te ensinar, te guardar, me render.

Vou te levar para dar uma volta por aí, ver o pôr do sol na beira do lago. Te levarei até as pedras das minhas histórias e te banharei no mar.

Eu vou levar você até o mundo, mas não sentirás medo, porque eu estarei lá para tudo.

Quando você chegar, meu filho, vou te levar para jogar video game, se ainda existir. Vamos jogar bola no final da tarde sem você precisar pedir e mesmo com o trabalho apertado, arrumarei tempo para te ver sorrir.

Eu vou te levar para a escola e você aprenderá a viver sozinho, mas sempre sabendo que estarei contigo, que estarei lá para tudo.

Eu vou te mostrar meus filmes favoritos e você assistirá comigo. Vou te contar sobre a história das obras e sobre os artistas, sobre os atores, sobre as visitas.

Você vai crescer me ouvindo e ouvindo minhas bandas preferidas, para saber do que eu gosto, do que aprecio e você fará sim, suas próprias escolhas.

Quando você chegar eu vou te levar pela vida, te levarei na primeira festa, te buscarei no final, até você ter vergonha de mim, mas tudo bem, será normal.

Vou te ensinar sobre filosofia e sobre as ideias que permeiam minha mente, terei alguém, uma parte de mim para conversar sobre mim, sobre ti, sobre o mundo, sobre a gente.

Vamos nos perder pelo mundo, conhecendo de tudo. Vamos perder a hora e encher essa vida vazia de conteúdo e você saberá sim, que eu sempre estarei lá para tudo.

Eu vou te ensinar a fazer a barba quando a hora chegar e acharei engraçado quando, assim como eu, você  desistir de tirar. Assistirei suas escolhas, feliz a me orgulhar.

Quando você chegar eu vou tirar todas as dúvidas que possam lhe acertar e aprenderei mais ainda só com o seu olhar e ao final de tudo, você terá orgulho de mim.

Eu vou viajar e não serei apenas uma foto na estante, eu serei você. Quando se olhar no reflexo do espelho, terá orgulho de ser o que se tornou e lembrará de mim a cada dia, porque você será uma parte de mim nesse mundo.

E eu não poderia morrer mais feliz, sabendo que você cresceu e que eu criarei morada no seu coração, afinal, eu sempre estarei aqui para tudo.

16 de janeiro de 2019

Paciência

Paciência que é difícil alcançar. Saber esperar é uma arte, pois assistir o tempo passar sem perspectiva de chegada exige muito, exige demais. 

Saber ver as horas, os dias mudando e não se deixar cobrir pela sensação de que estamos no mesmo lugar, no mesmo barco, desgasta muito, desgasta demais.

Como diziam os orientais - me pego pensando - quem sofre antecipadamente, sofre em dobro. Se não chegou, afinal, não é a hora ainda. Aonde estamos além de perdidos dentro de nós mesmos? 

Saber como vão as coisas são distrações corriqueiras que disfarçam a cólera do tempo que não passa. Da hora que não chega. 

Paciência, meu Deus, é difícil de alcançar. Ver todos aqueles rostos passando, ver o relógio se repetindo, enquanto me repito tanto quanto aqueles ponteiros britânicos.

Saber ver as escoras que colocamos em nossos calcanhares, aguardando que o desejado desejo se concretize nas vidas de quem trabalha e investe em alguma coisa relevante exige muito, exige demais.

Mas, no final das contas não adianta nada gritar, tampouco espernear, pois quanto mais o tempo passa, menos demora a passar. Quanto mais se espera, menos se há de esperar.

Nos deixamos levar pela agonia e limite que são nossos anseios medidos apenas até onde nosso braço chega e apenas e tão somente até onde alcança o nosso olhar, mas, em verdade nos foi dito, que há muito mais entre o céu e a terra que possa supor nossa vã filosofia.

Paciência é saber que há a hora certa para tudo e que essa hora, vez ou outra, chega para todo mundo. É saber que não há regras nesse jogo e que o mundo pode sim, ser imundo. Então constantemente nos pegaremos sendo e fazendo aquilo que julgamos terrível, sem perceber que as pessoas são todas muito menos do que imaginam e mais do que enxergam.

Paciência é saber colocar nas mãos de quem sabe o que faz, os caminhos das estradas, as regras do jogo, os desejos do coração, os anseios da alma e as inclinações do espírito.

Paciência é ser o que se é, da melhor forma possível e estar bem com isso. No final das contas, consiste em aprender a acordar dia após dia com o objetivo na mente, o foco no corpo e esperança no coração de que tudo que for executado será objeto de validação.

Afinal, o tempo é relativo, mas a paciência não. Ela é absoluta e, absolutamente necessária para manter a sanidade que conquistamos quase sempre cortejando a insanidade. Paciência, sua hora vai chegar e esteja ciente de que pode demorar.

Paciência que é difícil alcançar. Saber esperar é uma arte, pois assistir o tempo passar sem perspectiva de chegada exige muito, exige demais. 

Paciência é para quem sabe, de verdade, esperar...

14 de janeiro de 2019

Palavras próprias

Não sei por que escrevo. Nunca soube. Enquanto me pergunto a razão coloco no papel tudo que me vem na mente.

Escrevo o que vivo, o que sinto, o que vejo. Escrevo sobre mim, sobre as pessoas ao meu redor, sobre sentimentos, sentidos. Escrevo sobre o que não vejo e sobre o que nunca vi. Escrevo sobre conhecidos, sobre amigos, sobre alguma história que chegou até mim.

Por vezes acordo com uma história na cabeça, escrevo sobre os sonhos que não lembro direito e tento encontrar uma narrativa a partir dos insights.

Eu não me alivio escrevendo. Não é meu escape. Não é minha fuga. Não é minha arte. A minha escrita sou eu. Eu próprio. Eu escrevo o que sou, as linhas são reflexo de mim. Eu sou as palavras que marcam o papel.

Na verdade, tudo isso é uma tradução livre do que eu sou, do que sinto, do que anseio e, principalmente, do que não entendo.

Escrevo sobre o que vejo, sobre o que não lembro mais. Escrevo sobre o que passou e sobre o que teria sido. Eu escrevo enquanto caço dentro de mim o sentido para as minhas próprias palavras.

Afinal, que sentido faço eu? Que tanto faço enquanto traduzo friamente o que sou em um ritmo completamente fora de cadência.

Definitivamente eu não sei por que escrevo, mas sei que escrever faz parte de mim. As palavras são parte do que sou, talvez a melhor parte.

Enquanto o silêncio impera pelos dias, onde o cotidiano enche a pouca paciência que cultivo, as palavras ecoam meus anseios. Quais respostas terei das perguntas que formulo em cada verso?

Eu não me lembro quando comecei a escrever, só me recordo de escrever. Me recordo de ir e voltar, de sufocar minhas palavras como quem não quer revelar um segredo.

Não há nada mais verdadeiro do que as palavras, embora a maioria das pessoas tenha desvirtuado seu significado, pois a palavra de um homem é o seu maior tesouro, seu maior legado.

Eu não me salvo escrevendo, eu não me encontro, eu não me entorpeço. Eu não sei por que escrevo, mas sei que pelas palavras serem a melhor parte de mim, eu deveria cuidá-las melhor.

Por vezes não há razão para escrever, como agora. Por vezes não há assunto. Por vezes escrever me parece apenas um lamento e eu mesmo odeio minhas linhas soltas no papel. Outras vezes escrevo e leio algo que parece ser um recado de mim para mim mesmo.

No final das contas eu não tenho resposta alguma e as minhas palavras não concluem absolutamente nada, pois não sei sequer a razão pela qual escrevo.

No entanto, escrever me faz sentir vivo. Ter uma razão para escrever me deixa feliz, mas as razões se esvaem como areia entre as mãos e o sentido desaparece.

Definitivamente eu não sei por que escrevo, mas sei que escrever faz parte de mim. As palavras são parte do que sou, talvez a melhor parte.