19 de fevereiro de 2022

O silêncio também fala

 O silêncio também fala

E fala alto

Ensurdecedor


O silêncio pode ser

Um abraço ou um tapa na cara

Cheio de rancor


O silêncio que fala

Diz claramente 

Não há mais amor


O silêncio reinou

Enquanto os anos se foram

Mais uma vez. Calou


O silêncio falou

Tanto faz

Não faz diferença por prazer ou dor


O silêncio fala

Parece gritar

Mas os ouvidos se recusam a ouvir o clamor


O silêncio brada

Coração se faz de surdo, de tonto, de mudo

Porque afinal, apesar de não ser novidade

O seu silêncio é tudo que me restou


Adilson Guimarães

11 de janeiro de 2022

Ela de cura

 Lá vem ela, na sombra de quem foi um dia

Na época que não se conhecia e quando o corpo limitava o seu alcance

Ela ia apenas até onde seu braço alcançava e aonde os seus olhos viam

Até que acordou

De tanta dor, perdida e entorpecida, despertou

Percebeu que as dores eram parte de si e não apenas em si, ela acordou

Agora vem ela caminhando a passos firmes, com o queixo alto e o olhar firme

A postura ereta denuncia que o seu corpo segue sua mente e reflete o seu espírito

Assim como aquele pequeno mamífero que a acompanha, com passos lentos e precisos

O animal de focinho pontiagudo com a cauda longe e espessa, no mais puro silêncio e olhar penentrante é o seu guardião

O selvagem e o doméstico se misturam, como o mais belo caos, como o mais intrigante paradoxo sob patas e sob pernas

Lá vem ela, muito maior e mais forte do que qualquer sombra que um dia atrapalhou sua luz

Lá vem ela a caminhar além dos passos das pernas e a enxergar além de um simples olhar, pois agora ela vê de olhos fechados

Seus passos flutuantes dão a direção do caminho correto

Ela acordou, despertou e agora caminha por aí lidando com o sono alheio, tornando as ideias concretas

Aplicadas em palavras e executadas em ações

Vez que curar é o seu caminho, na companhia de sua guardiã de todos os dias e noites

8 de dezembro de 2021

Insonito

Não consigo dormir

A quem eu rezo?

Para quem eu peço companhia

Quem pode estar aqui? Quem pode vir?

 

Meus olhos não se fecham

Quem pode estar aqui além de mim?

Por que eu não paro de sonhar

Se sequer consigo dormir?

 

Não consigo dormir

Com quem eu falo?

Quem pode me ouvir?

O silêncio é um prato vazio, sem cor, frágil

 

As horas passam

Nem o relógio eu ouço

Me lembro do que não existe mais

Aqui é escuro, tipo o fundo do poço

 

Será que posso

Sonhar acordado

Enquanto não durmo

Fico aqui, parado

 

Não consigo ir

A quem recorro?

A quem eu peço?

Por que, meu Deus, eu não paro de sonhar

Se sequer consigo dormir

 


19 de dezembro de 2019

Ao Final

Nessa época o final é evidente, tudo parece mais intenso para que a intensidade logo possa tirar seus dias.

Dias que começam mais tarde, o cedo já não é assim tão cedo, pois as ruas estão vazias. Mas as noites são movimentadas, coloridas, tudo parece estar mais animado.

Percebo que muita coisa já não me interessa. E não estou a falar do interesse daquilo que me agrada, mas do interesse daquilo que não me diz respeito. Nunca disse.

Nem sempre aquilo que me interessa, me interessa. E aprender a conviver com a ideia de que nem tudo convém é libertador...

O poder do agora. O poder de ser o que se é e o sentimento de estar no caminho da plenitude não tem preço, não se compra e não se vende.

Agora sim, consigo ver quebrado o que se quebrou. Agora sim, consigo ver que não há nada onde já não há nada, onde fui eu quem pu o que queria ver.

Ouço as vozes que falam dentro de mim e já nem preciso mais esfregar a lâmpada para ver o gênio.

Sinto minha intuição como uma luz que me guiará para onde tenho que ir, no caminho de ser o que já sou, mas não ainda não tomei para mim.

17 de dezembro de 2019

Ela era luz

Já era noite e estava escuro entre os prédios. A luz da lua se confundia com a iluminação artificial, mas a verdadeira luz vinha dela. Coberta por um vestido listrado, preto e branco, que denunciavam as belas curvas de seu corpo, ela caminhava em direção a portaria.

Seus longos cabelos escorriam por entre os ombros e voavam ao bater no vendo. Ela estava seria, não sorria muito ultimamente. Ela andava sempre a frente de outras duas garotas que acompanhavam seu passos, buscando surfar na sombra da sua segurança.

Já era noite e ela passava mais uma madrugada por aí guiando os outros como se estivesse tudo bem. Como se ela também estivesse bem, mas ninguém sabia. Ninguém via as suas lágrimas porque ela jamais permitiria.

Já era noite e seu brilho ficava opado de dor e seu peito vazio. Seu belo rosto maquiado não permitia que vissem os traços de tristeza que sua alma carregava, mas, com um pouco de atenção era possível enxergar.

Seus passos não tinham planejamento e ela seguia o caminho que sua intuição indicava, seus passos duros a sustentavam por entre o mundo que ela já havia desistido de entender, mas jurou a si mesma que não lhe derrubaria.

Já era noite e a luz dela a mantinha viva, forte e firme. Já era dia e ela escondia o olhar para que ninguém fosse capaz de desvendar suas dores. Pena que eu as conheço.

28 de novembro de 2019

Me atraso

Me atraso todos os dias, preso aos meus próprios erros. Abraço meu equívocos enquanto me apego a dor que carrego no peito, pois ela mantém vivo o que não existe mais dentro de mim.

Meus vícios tomam conta do meu corpo como se fossem o próprio alimento, ao passo que bebo das coisas que me fazem mal todos os dias, como se não fossem verdadeiros venenos.

Me mantenho longe, cada vez mais longe do que se aproxima porque não quero mais estar exposto. Mas estou exposto por conta das minhas péssimas escolhas de todos os dias.

Mais uma vez, errei da mesma forma que, ontem, jurei que não faria. Mais uma vez, disse o que não jurei que não diria. Mais uma vez, estive onde jurei que não poria mais os pés e agora me vejo aqui, mais uma vez, de joelhos, cedido aos meus desejos mais vis.

Me atraso todos os dias planejando os novos hábitos e falho miseravelmente, pois estou habituado a ser eu mesmo. Nada demais. 

Me atraso todos os dias esperando ouvir o que gostaria que fosse dito, mas não saberei jamais.

Me atraso todos os dias tentando me manter de pé e as pernas doem ao subir as escadas, o corpo dói ao levantar, a alma dói no silêncio e o coração dói todas as noites, quando me pego no meio daquela multidão vazia. O que estou fazendo aqui, afinal?

Me pergunto, com quanto dinheiro se compra um pouco de paz?

Me atraso todos os dias tentando entender o que estou fazendo aqui, quanto me alimento dos meus equívocos, bebo das minhas frustrações e me mantenho firme, pois já não há mais nada que seja capaz de fazê-lo, por mim...

20 de novembro de 2019

E quantas vezes morrerei?

E se eu disser que é o fim e que daqui não passo? Daqui não passo, a partir daqui não quero mais. E se eu disser que já deu e que escolho que seja o fim?

E se eu disser cansei e terminar com tudo de uma vez, o tempo para? Se eu acabar de uma vez por todas com todo esse caos, encontrarei a paz? Ou não encontrarei nada? Ou começará tudo de novo, enfim?

E agora se eu me sentir esgotado e não quiser mais caminhar, a vida dá um tempo? Será que a vida me daria um tempo se eu acabasse de uma vez com isso, agora, aqui?

E quando a vontade de acabar logo ao acordar vai acabar, antes de dormir? Por mim. Se eu deixasse de existir, a vida me daria uma tempo?

E depois de tanto tempo pensando, acho que a vida não pararia. A vida nos atropela e já perdi as contas de quantas vezes eu morri. Sim, morri a cada falha, a cada frustração, a cada decepção, a cada saudade.

E agora tanto faz ficar ou ir, estar ou deixar de existir, morrer ou sorrir, porque a vida vai passar por cima de qualquer forma e a única opção é seguir, mesmo que não se siga. E se eu disser que daqui não passo, a vida passará por mim.

E fico pensando, quantas vezes ainda morrerei. Quantos de mim serão aniquilados pela completa falta de interesse. Quantos eu não serão mais eu daqui a pouco. Quem eu era já nem reconheço, assim quando olho fundo nos meus próprios olhos.

E fico me perguntando o que estou fazendo aqui? E fico pensando, quantas vezes morrerei, ainda que vivo, dentro de mim?