Ele caminhava em sua própria
companhia pelas ruas desertas pela madrugada. O silêncio perturbador tornava
possível ouvir a queda de uma folha seca ao chão. Fazia frio, muito frio.
Nada de carro ou amigos por hoje.
Nada de mensagens ou abrigos por hoje e fazia tanto frio.
Enquanto caminhava afrouxava sua gravata
e desabotoava o primeiro botão da camisa para sentir um pouco de alivio. Fazia
frio, muito frio mesmo.
Aos pensamentos se misturavam
lembranças e angústias mal resolvidas. Naquele misto de sentimentos ele se
perguntava e tentava encontrar o problema, pois já estava convencido de que
havia alguma coisa errada e isso vinha dali mesmo, de onde estava.
Já não raciocinava direito quando
encontrou um barraco abandonado. Parou e se abrigou ali, pois fazia frio, muito
frio. Era uma estrutura frágil e de madeira velha, mas que protegia um pouco
dos fortes ventos daquela noite gelada. Ao lado um espelho que apesar de sujo
estava inteiro sob uma caixa velha de madeira.
Ele não sabia muito bem o que
fazer, sentia-se cansado. Deu um passo ao lado e entrou na rota do reflexo,
podia ver o seu corpo vestido de uma roupa gasta de um dia inteiro de trabalho.
Foi se aproximando do espelho até poder enxergar seu rosto, e no sujeito do
reflexo conseguiu enxergar seu olhar.
Confuso, não parecia estar
sozinho. Era estranha a sensação. Nada se falava. Nada se via. O que se sentia
não era possível classificar, entender então nem se fala. Nada se tinha e pra
onde, será pra onde que caminhava?
Ele pegou nas mãos o espelho sem
moldura e conseguiu colocar em cima de duas outras caixas mais altas para que
pudesse encarar aquele reflexo de pé. Foi se aproximando até enxergar no fundo
dos seus próprios olhos, mas parecia que olhava outra pessoa.
Ele não conseguia reconhecer quem
estava do outro lado do espelho. Com a ponta do nariz praticamente encostada ao
reflexo percebeu que não fazia ideia de quem estava do outro lado. Aonde você
ainda se reconhece?
Ele desejava um copo de whisky,
mas além de tudo tinha que lidar com a droga de sua sobriedade. Era cada vez
mais duro ver a hora passando, as pessoas de costas indo embora e ter que assistir,
porque assim deveria ser.
Um ponto em si mesmo. Um louco
que organizava seus próprios desatinos. Um líder dos progressos da sua própria
instabilidade. Um exemplo do que não se conhecia. Um vazio que nada preenchia.
Que diferença faz? Perguntava-se.
Não era possível entender. Seja
qual for o caminho, nessa estrada ele precisava seguir e continuar...
Depois de tanto tempo olhando
para aquele reflexo de si mesmo, não reconheceu ninguém. Sequer o menino que
fora um dia. Sentiu vontade de chorar, o coração dava pontadas de aperto e a
voz que há muito não se ouvia já dava sinais de embargar. Sentiu vontade e
queria chorar, mas estava seco, não conseguiu.
E fazia frio, muito frio dentro e fora daquele lugar.
Ele ficou ali por cerca de meia
hora e saiu sem qualquer resposta, carregava sob os ombros apenas os fatos e frangalhos
de algumas lembranças. Ele era a soma daquilo tudo caminhando entre pernas que
bambeavam em uma cabeça que considerava tudo e sequer poderia se entorpecer.
Havia várias possibilidades, mas
ele não queria mais lutar. Ele queria apenas seguir o curso do seu caminho e
descobrir aonde tudo aquilo iria dar... Já não podia gritar, já não podia
chorar e fazia frio, muito frio mesmo.
Ele voltou à estrada e continuou a
caminhar errante por entre as fases daquela madrugada até virar a esquina e
encontrar um fio de luar no céu.
Ele não fazia ideia para onde estava
indo, mas havia acabado de decidir o que fazer...
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