19 de maio de 2016

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Ele caminhava em sua própria companhia pelas ruas desertas pela madrugada. O silêncio perturbador tornava possível ouvir a queda de uma folha seca ao chão. Fazia frio, muito frio.

Nada de carro ou amigos por hoje. Nada de mensagens ou abrigos por hoje e fazia tanto frio.

Enquanto caminhava afrouxava sua gravata e desabotoava o primeiro botão da camisa para sentir um pouco de alivio. Fazia frio, muito frio mesmo.

Aos pensamentos se misturavam lembranças e angústias mal resolvidas. Naquele misto de sentimentos ele se perguntava e tentava encontrar o problema, pois já estava convencido de que havia alguma coisa errada e isso vinha dali mesmo, de onde estava.

Já não raciocinava direito quando encontrou um barraco abandonado. Parou e se abrigou ali, pois fazia frio, muito frio. Era uma estrutura frágil e de madeira velha, mas que protegia um pouco dos fortes ventos daquela noite gelada. Ao lado um espelho que apesar de sujo estava inteiro sob uma caixa velha de madeira.

Ele não sabia muito bem o que fazer, sentia-se cansado. Deu um passo ao lado e entrou na rota do reflexo, podia ver o seu corpo vestido de uma roupa gasta de um dia inteiro de trabalho. Foi se aproximando do espelho até poder enxergar seu rosto, e no sujeito do reflexo conseguiu enxergar seu olhar.

Confuso, não parecia estar sozinho. Era estranha a sensação. Nada se falava. Nada se via. O que se sentia não era possível classificar, entender então nem se fala. Nada se tinha e pra onde, será pra onde que caminhava?

Ele pegou nas mãos o espelho sem moldura e conseguiu colocar em cima de duas outras caixas mais altas para que pudesse encarar aquele reflexo de pé. Foi se aproximando até enxergar no fundo dos seus próprios olhos, mas parecia que olhava outra pessoa.

Ele não conseguia reconhecer quem estava do outro lado do espelho. Com a ponta do nariz praticamente encostada ao reflexo percebeu que não fazia ideia de quem estava do outro lado. Aonde você ainda se reconhece?

Ele desejava um copo de whisky, mas além de tudo tinha que lidar com a droga de sua sobriedade. Era cada vez mais duro ver a hora passando, as pessoas de costas indo embora e ter que assistir, porque assim deveria ser.

Um ponto em si mesmo. Um louco que organizava seus próprios desatinos. Um líder dos progressos da sua própria instabilidade. Um exemplo do que não se conhecia. Um vazio que nada preenchia.
Que diferença faz? Perguntava-se.

Não era possível entender. Seja qual for o caminho, nessa estrada ele precisava seguir e continuar...
Depois de tanto tempo olhando para aquele reflexo de si mesmo, não reconheceu ninguém. Sequer o menino que fora um dia. Sentiu vontade de chorar, o coração dava pontadas de aperto e a voz que há muito não se ouvia já dava sinais de embargar. Sentiu vontade e queria chorar, mas estava seco, não conseguiu.  E fazia frio, muito frio dentro e fora daquele lugar.

Ele ficou ali por cerca de meia hora e saiu sem qualquer resposta, carregava sob os ombros apenas os fatos e frangalhos de algumas lembranças. Ele era a soma daquilo tudo caminhando entre pernas que bambeavam em uma cabeça que considerava tudo e sequer poderia se entorpecer.

Havia várias possibilidades, mas ele não queria mais lutar. Ele queria apenas seguir o curso do seu caminho e descobrir aonde tudo aquilo iria dar... Já não podia gritar, já não podia chorar e fazia frio, muito frio mesmo.

Ele voltou à estrada e continuou a caminhar errante por entre as fases daquela madrugada até virar a esquina e encontrar um fio de luar no céu.


Ele não fazia ideia para onde estava indo, mas havia acabado de decidir o que fazer...

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