Era uma sala vazia e escura. Apenas uma velha lâmpada incandescente
iluminava os velhos móveis de madeira desgastados pelo tempo.
Júlio César estava sentado na escrivaninha ao canto da sala
que ficava no subsolo da casa, ao lado das escadas.
No outro lado, mais ao centro da sala, Luca seguia de pé
olhando para a parede e com as mão para trás.
Já era tarde e aquele silêncio de madrugada tomava conta de
tudo, em dias de semana as pessoas costumam se deitar mais cedo e as cidades se
tornam praticamente fantasmas.
Na parte superior da parede quase na altura do teto havia
uma pequena janela de onde podiam enxergar a lua cheia que vazia luz naquela
noite escura e fria.
Júlio esvaziara três copos de whisky olhando para aquelas
folhas em branco, mas sua angústia não o permitia rabiscá-la. Molhava a pena
minuto à minuto como se alguma inspiração fosse surgir dali e encostava no
papel amarelado, sob àquela luz fraca e falha.
Do outro lado, Júlio César desabafou quebrando o silêncio:
- Luca, minhas mãos estão trêmulas e fracas. Já não consigo
escrever. As ideias vêm e se perdem, já não lembro.
- Por quê meus olhos doem? Perguntou.
- Porque você nunca os usou. Respondeu Luca enquanto
continuava de costas olhado a fresta e o pouco de céu que havia naquela noite e
pensava em tudo que havia passado até ali.
Se voltando àquele homem e ao perceber seu semblante
completamente perdido, indagou-lhe:
- O que você escreve?
- Sentimentos.
- Como é possível?
- Não é.
- Todas as vezes que tentei falar sobre isso meu coração
apertou tanto que chegou a doer. O que será que acontece? Perguntou confuso.
- Porque você o sufoca.
- Talvez. Tenho uma dúvida grande.
- Qual seria?
- Quem está errado, afinal: Os que escolhem uma direção que
já existe no mapa ou os que insistem em criar o seu próprio caminho?
- Depende. Qual foi a sua escolha?
- Acho que não
escolhi.
Eles ficaram ali por alguns minutos, calados, sentindo o
peso do tempo em seus ombros. Ambos
tinham uma boa vida. Haviam estudado, viajado por aí e curtido. Não obstante
ainda tão jovens, se sentiam velhos homens ou pelo menos acreditavam nisso.
Angustiado com as palavras que havia ouvido, Luca disparou:
- O que diabos você
quer de mim, afinal?
- Ideias.
- Conselhos?
- Não.
- Então não entendo.
- Veja bem, eu preciso que alguém me ouça e não use isso
contra mim amanhã.
- Hum. Você acha que eu faria isso?
- Todos fazem.
- Por isso você se cala?
- Digo que sim.
- Só diz?
- Claro.
- E qual é o verdadeiro motivo?
- Desconheço. Será que você não entendeu que estou perdido?
- Entendo que você está. Seus olhos são puro desespero, mas
não compreendo o que é, verdadeiramente, estar perdido.
- Ah! E você, o que quer?
- Como assim?
- O que fará da sua vida?
- Ué! Trabalhar, comprar uma casa, carro, essas coisas que
todo mundo faz. Não é isso que deve ser feito?
- É sério isso?
- Por que não seria?
- É, amigo. Você não
sabe realmente o que é estar perdido.
- Por quê?
- Porque está cego.
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