30 de agosto de 2013

Glauco



Glauco caminhava pelo gramado com o olhar baixo, vigiando cada passo que seus pés calçados com tênis encobertos de poeira traçavam. Chutava uma velha latinha de refrigerante como se trocasse passos em um jogo de futebol, se imaginando em meio a um jogo disputado na final de campeonato. Sempre se perguntava por que não havia feito nenhum teste para o time da cidade. Depois de um último arremate naquele pedaço de metal amassado em direção ao gol imaginário ele para. Olhou em direção aos carros passando durante o trânsito engarrafado no horário de pico. Parou. Acendeu um cigarro enquanto pensava em qualquer coisa que lhe passava pela mente. Ultimamente não havia muitas coisas em sua cabeça com as quais valesse a pena se ocupar, por seu próprio ponto de vista. Ali ficou durante alguns minutos esperando sua condução para poder ir embora para enfrentar tudo novamente no dia seguinte.

De forma recorrente ele perguntava a si mesmo se estava fazendo a coisa certa para alcançar a devida felicidade, no que, aliás, não acreditava. Mais um no meio da história. Mais uma história no meio de várias outras e de outros transeuntes, indo e vindo sem trocarem sequer olhares, correndo, cansados, desistentes, esgotados. 

Sacou seu telefone celular e pensou em ligar, mas desistiu. Pra quê dar prosseguimento nisso? Pensou. Seria realmente necessário lutar mais uma vez contra sua própria vontade? Passara toda a semana bebendo saudade e já estava embriagado em demasia, com o pouco pudor que lhe restava levantou o orgulho e construiu um muro ao seu redor. Lá estava Glauco, desolado. Isolado do mundo envolto por sua capa contra a mediocridade, para ele era melhor acreditar que tudo não passavam de obstáculos para o seu aprendizado e evolução e não eram nada além de uma fase ou algumas fases. 

Pensar ser melhor, ser privilegiado, ser escolhido por vezes poderia trazer algum alento para um corpo andarilho sem muito rumo, em busca de um sentido além do continuar. Parar não é sinal de fraqueza, exaustão talvez. Glauco se reprovava e se culpava de ser tão ingrato com a vida, com a saúde que gozava e com as oportunidades que avistara em sua vida, apesar de todas as dificuldades.

Acendeu outro cigarro. Sabia que aquilo ali era a maior imbecilidade que um jovem poderia cometer, quando criança ele achava que dispor assim da própria vida conscientemente era muito reprovável. Quando adulto, já não achava mais nada. Quem sabe a verdade sobre o que realmente é válido fazer e do que é realmente necessário privar-se. 

Em dados momentos Glauco acreditava ter encontrado a conexão entre as coisas que aprendera, lera e as experiências que passou na vida. Pensou realmente ter chegado ao ponto de controlar suas emoções e saber o ponto certo de parar e mudar de trajetória e então ao passo que estava com os sentimentos em uma prateleira em que poderia manipulá-los e ser o dono da própria vida, tudo veio a baixo.  Quando ele pensava que sabia de tudo, já não entendia mais nada.

O ônibus não passava. Glauco continuava perdido em seus devaneios, observando o comportamento das pessoas fadadas àquela rotina até o dia que não estivessem mais por aqui. Ele não queria ser como todos, aposentados, reclamando da vida que levaram e do resto que ainda os esperava. Ele queria ser filósofo. Acendeu o terceiro cigarro e morreu um dia de cada vez.

23 de agosto de 2013

O mundo não nos deixa falar

Sofremos com a inércia que nos assola, esperando uma oportunidade pra sair daqui e sumir dessa rotina que já não diz nada sobre nós, muito menos nos deixar falar.

Fui pego pensando dominado por receio de um passado que percorre frequentemente um presente desvalorizado travestido de obra do acaso.

Fatos tornam inevitável diminuir o ímpeto de procurar o que lhe interessaria e cada vez mais olhar de soslaio, mantendo e aumentando a distância vez ou outra. Vez e outra. Vez. Outra vez. Outra...

Não, não é questão de estar bem ou mal, pois estamos além disso. Esta visão nos limita e traz consigo posturas indignas de equilíbrio. Ser algoz ou vítima, me irritariam de qualquer forma. A convicção além de egoísta é burra.

Todavia a escuridão seja denominada algo ruim, é nela que a maioria das pessoas prefere ficar, lá não há olhares, sorrisos, expressões ou qualquer coisa que possa vir a ludibriar a racionalidade. Os elementos presentes são de verdade e não montados, ali convivem os perfumes e os timbres de voz que acordam sentimentos.

Talvez o problema todo seja a luz, onde as cores se confundem e nos confundem, tornam lindo o que não cheira bem e nos fazem realmente acreditar nessa balela! Talvez tenhamos medo da luz porque ela nos mostra inevitavelmente ao mundo, um mundo que acredita no que vê.

Sofremos com a inércia que nos assola, esperando uma oportunidade pra sair daqui e sumir dessa rotina que já não diz nada sobre nós, muito menos nos deixar falar.

Enquanto desço a caminho de algum porto seguro, ouço os ecos em minha cabeça e de tão disperço assusto-me com minha própria sombra no sereno. Tão rapidamente descobri sua missão por aqui, lembrar-nos que estamos vivos, pulsantes.

17 de agosto de 2013

Devaneio arrependido

Sou um devaneio arrependido, entre caminhos e possibilidades. Sou a luz com destino em solidão, que cura com o riso provocado de uma graça sutil, que me faz bem. Sou a luz forte e solitária ao longe que enfraquece e atrai, quando rodeado de multidão.

Sou a vontade de chorar de lágrimas secas, de coração machucado e falta de fé. O caminho percorrido na madrugada vazia de almas, de volta ao status original, quase sou.

Mais um idiota na redoma de um grupo de amigos idiotas, mas felizes. Sou a dança sem molejo, a bebida sem apego e as lembranças que já não doem mais, embora perdurem. O desejo de esperança falida, racionalizado pelas necessidades de identificar-se.

Eu? Eu não faço a menor ideia, talvez deva ser como um jardim ensolarado de sábado na infância. Antes os pés queimados no asfalto do que a alma ferida de ingratidão e descaso. Apenas mais um devaneio arrependido apegado a si mesmo.

Eu sou o orgulho da insegurança que esconde a voz do espírito com medo de alguém ouvir. A hesitação se concretiza, institucionalizando a covardia social. Evito respirar para não te sufocar, apenas aguardo, mesmo que esse não seja o meu forte. Por que sou um mero devaneio arrependido, afogado em cicatrizes que perduram e ainda doem.

12 de agosto de 2013

O Nada é tudo. Tudo o que temos.

É meu filho, tudo que vivemos e fazemos é o nada. O nada é tudo. Tudo o que temos. Tentamos preencher o vazio dos nossos corpos com alguns copos de cachaça e nos tornamos cada vez mais humanos, terrenos e presos ao chão. Pela fumaça do cigarro as pessoas se confundem, fedem e ofuscam o desespero em se sentirem bem, feliz.

Afinal, qual seria a vida perfeita para um homem médio? Há uma grande dificuldade em determinar e manter um objetivo por muito tempo porque o tempo acaba sempre mostrando que pode não valer a pena, todo este ímpeto. Quem seríamos nós além do que aquilo que fazemos para nos tornarmos - ou tentar - nos tornar aquilo que admiramos, aqueles em quem nos espelhamos?

Quem, de uma vez por todas, vale a pena ser? Um idiota que se faz de sonso para manipular a todos ou um padrinho que ignora todas as leis sociais em pról de seus valores? Ou Tom, aquele que mantém sempre a calma estóica, um desapego a opinião e reação alheia...

Veja ela passando ali, não a conheço, mas agora sei quem é. Sua timidez e o meu receio acabaram se encontrando no meio desse caminho turvo e se deram bem, mas acabam não conseguindo passar disso hora por um, hora por outro. De tempos em tempos as oportunidades se vão por falta de coragem, no seu mais sutil sentido.

Tento falar e fazer com que as coisas saiam da melhor maneira possível, mas meus pensamentos não acompanham mais as minhas atitudes, tenho tido muita pressa em viver e pouca paciência em aprender a vivê-la, muito pouca. Estou tentando lhe dizer o que estou pensando, minha mente continua a mesma, mas meu corpo já não acompanhao que quero dizer, não tô conseguindo. Você me entende, meu filho?

E os dias se foram, os vinte e poucos anos que tanto falavam mostrou uma face verdadeira e amendrontadora, são as coisas batendo a porta da responsabilidade e as primeiras consequências dilacerando a esperança e o pouco espírito de criança que havia, isso pode explicar por quê tantos homens se tornam coisas inimagináveis em alguns anos. A pressão de se suportar tanta informação é cabal.

Nós continuamos por ali, nos esbarrando em bons momentos e trocando algumas palavras agradáveis enquanto admiro o seu sorriso, uma das poucas coisas que tem feito sentido. Meu receio de dizer alguma coisa mais séria acaba por minar tua esperança de se encontrar de novo e a tua timidez quando me encontra foge de um olhar mais fixo, nos escondemos atrás das brincadeiras até o dia que as barreiras forem ultrapassadas.

É meu filho, tudo que vivemos e fazemos é o nada. O nada é tudo. Tudo o que temos. Tentamos preencher o vazio dos nossos corpos com alguns copos de cachaça e nos tornamos cada vez mais humanos, terrenos e presos ao chão. Pela fumaça do cigarro as pessoas se ofuscam, fedem e ofuscam o desespero em sentir bem, feliz.